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Estomaterapia: especialidade em ascensão

Beatriz Yamada
Enfermeira, Estomaterapeuta, Diretora Técnica da Enfmedic Saúde, em São Paulo
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16/08/2011

Estomaterapia é a área da saúde responsável por prevenir a perda da integridade da pele, realizar tratamento avançado de pessoas com feridas (agudas e crônicas), reabilitar as que possuem estomias e incontinências (urinária ou anal) e realizar cuidados com fístulas, cateteres, drenos e tubos.

 

Desde 1980 é uma especialidade exclusiva do enfermeiro, cujo papel é assistencial, gerencial, de ensino e pesquisa. No Brasil, a prática foi instituída somente dez anos depois, em 1990, como pós-graduação lato sensu. De lá para cá, esta ciência avançou muito, mas capacitar enfermeiros para esta prática ainda é um desafio, embora seja um campo muito fértil para a área.

 

Com visão empreendedora e o sonho de tornar o cuidado em estomaterapia de acesso ao maior número possível de pacientes, a enfermeira Beatriz Farias Alves Yamada percorreu o Brasil de Norte a Sul em prol da especialidade. Desenvolveu sua prática profissional tanto na assistência direta, quanto no ensino, pesquisa, assessoria e consultoria. Por sete anos, esteve à frente da Associação Brasileira de Estomaterapia: estomias, feridas e incontinências (Sobest), órgão representativo da área, fundado em 1992. A enfermeira também participou da reelaboração da proposta da Portaria dos Ostomizados, do Ministério da Saúde, que envolve o cuidado à pessoa estomizada. Com olhos voltados para o futuro, Yamada criou o primeiro serviço particular de cuidados em estomaterapia no Brasil, a Enfmedic Saúde, da qual hoje é Diretora Técnica.

 

Nesta entrevista é possível entender porque a profissional tornou-se referência quando o assunto é estomias, feridas e incontinências.

 

 

 

Quais são as principais diferenças do cuidar de um enfermeiro estomaterapeuta?

Eu diria que é o cuidar com conhecimento de causa. Mas não basta ter um certificado de conclusão de especialização. Isso é apenas o começo. É necessário estudo individual continuado, participação em atividades científicas e tempo de experiência. As experiências clínicas aliadas ao estudo nos farão desenvolver um refinado julgamento clínico, que nos possibilitará cuidar com conhecimento de causa, com excelência e com humanismo, não ser apenas técnico.

 

 

Como é a atuação do enfermeiro estomaterapeuta?

Em todas as áreas da estomaterapia existe uma atuação bem definida e específica que envolve a prevenção, o tratamento e a reabilitação do paciente. A maioria dos enfermeiros que cursa estomaterapia tem seu foco de interesse na área de feridas. A área de incontinência, especialmente nos aspectos de reabilitação pélvica, é o que menos apresenta especialistas atuantes, o que considero lamentável, pois é uma área que embora complexa seja muito gratificante. Além do que tem demanda reprimida e tende a crescer ainda mais, em face da longevidade humana, embora longevidade não seja sinônimo de incontinências. Eu atuo em todas as áreas, mas tenho mais clientes de feridas.

 

 

Como foi a trajetória da estomaterapia no mundo e no Brasil?

Essa é pergunta fundamental. Tudo que existe tem uma história e essa jamais poderá ser esquecida. A estomaterapia nasceu em 1958, nos Estados Unidos, com Rupert Turnbull (médico coloproctologista) e Norma Gill (estomizada, paciente de Dr. Rupert). Em 1961, esses dois visionários fundaram o primeiro curso de estomaterapia. Norma Gill foi considerada a primeira estomaterapeuta (ET). Gradualmente, a estomaterapia foi ganhando expressividade internacional e muitos feitos foram realizados por essa senhora, entre eles a fundação de um órgão mundial que pudesse representar a especialidade, que é o WCET (World Council of Enterostomal Therapists). No Brasil, os primeiros ETs foram dois médicos do Rio de Janeiro. Antes de 1980, era permitido aos profissionais não enfermeiros cursarem estomaterapia. As primeiras enfermeiras brasileiras a fazer estomaterapia foram Gelse Zerbetto, Sônia Dias, Vera Gouveia, Lauma Paegle e Eloísa Roncarate. Todas fora do Brasil. Gelse teve grande contribuição atuando nas companhias que desenvolvem tecnologias para a estomaterapia. Vera Gouveia implantou a especialização no Brasil, em 1990, na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Esta especialização foi única até 1998 e formava somente 13 especialistas para o Brasil.

A partir desse ano, outros cursos foram implantados. Em 1999, na Universidade Estadual do Ceará, com a professora Maria Euridea Castro; em 2000, na UNITAU, pelas professoras Maria Ângela Bocara de Paula e Isabel Cesaretti. E daí por diante, outros cursos foram gradualmente implantados no país.

Certamente o Brasil está entre os países mais avançados nesta área, principalmente quando falamos de América Latina. Porém, os Estados Unidos estão largamente na frente, mundialmente. Na Europa, a Inglaterra tem destaque. Contudo, os países europeus não têm a mesma concepção de uma especialidade com três subáreas como é nos Estados Unidos e no Brasil (temos o modelo americano). A Austrália, o Canadá e o Japão, entre outros, também têm grande representatividade internacional. A China tem crescido muito nos últimos anos. Mas, ainda têm-se muito a crescer ao redor do mundo. Um grande número de países não tem nem mesmo um estomaterapeuta.

 

 

O Brasil tem dados cadastrais de pacientes que necessitam de cuidados de um estomaterapeuta?

Missão impossível saber este número, pois não temos dados epidemiológicos no nosso país, exceto estudos pontuais em algumas instituições. Mas, como nossa atuação é no ciclo vital, eu lhe asseguro que em qualquer unidade hospitalar ou qualquer instituição de saúde haverá pessoas com necessidades que podem ser assistidas por um profissional ET.

 

 

Como a senhora decidiu seguir para esta especialidade?

O cuidar em feridas, uma das áreas da estomaterapia, foi a minha motivação para ser enfermeira. Eu diria que antes mesmo de ser enfermeira meu coração já era da estomaterapia. Graduei-me na Faculdade Adventista de Enfermagem (atualmente UNASP), de São Paulo, em 1989. Desde o meu primeiro emprego fui me envolvendo com a assistência a pacientes com feridas, mesmo atuando em áreas gerais (pronto-socorro, ambulatório e unidade de internação de clínica médica e cirúrgica, entre outras áreas). Quando tive a certeza de que, de fato, queria ser especialista, fui realizar a especialização em estomaterapia na EEUSP, até então o único curso do Brasil, como já me referi. Assim, desde 1998, quando me especializei, passei a dedicar minha vida profissional inteiramente à estomaterapia, não apenas na área clínica, nas em assessoria, ensino, pesquisa e organização de classe.

 

“Desde o meu primeiro emprego fui me envolvendo com a assistência a pacientes com feridas, mesmo atuando em áreas gerais”.

 

 

A sua contribuição para a estomaterapia é reconhecida em todo o país. Qual o balanço que a senhora faz desta carreira?

Tenho contribuído para a estomaterapia de diferentes maneiras, na assistência, no ensino, na pesquisa, consultoria e assessoria. A estomaterapia é bastante versátil e nos oferece muitas possibilidades, e eu gosto muito de tudo isso.

Ao iniciar meu trabalho como uma empreendedora na área, senti na pele o quanto a especialidade era desconhecida, e ouvi muitas vezes meus clientes reclamarem dizendo: “onde vocês se escondem?”. Isso me levou a assumir um compromisso pessoal de fazer o máximo de mim para mudar essa realidade e contribuir com a visão de Norma Gill (“toda pessoa com estomia, ferida e incontinência possa ser cuidado por um estomaterapeuta”), da qual eu já me autodenominava discípula. Mas, entendi que esse trabalho poderia ter maior impacto coletivo se fosse realizado de uma forma institucional. Desse modo, eu me envolvi na presidência da Associação Brasileira de Estomaterapia: estomias, feridas e incontinência (Sobest) por um período de sete anos. Com um grupo de pessoas com a mesma dedicação e interesse, foi possível fazer trabalhos importantes, além de eventos científicos, que não tenho dúvida contribuíram para o crescimento da Associação e da Estomaterapia brasileira, sendo os principais: a criação da Revista Estima e das competências dos estomaterapeutas; a criação e implantação das normas para titulação em estomaterapia; a reelaboração da proposta da Portaria dos Ostomizados; a promoção da estomaterapia pelo Brasil que possibilitou a abertura de novos cursos de especialização, além da promoção internacional da entidade. Enfim com muita determinação e múltiplos apoios foi possível, inclusive, comprar uma sede própria para a Associação. Na área de educação tenho atuado como professor convidado em cursos de estomaterapia e também graduação. Contribuo também na área de pesquisa escrevendo artigos, capítulos de livros, orientando pesquisas, como líder de grupo multiprofissional onde duas linhas são relacionadas à estomaterapia.

 

 

A senhora está constantemente viajando a outros centros para proferir aulas, palestras, participar de congressos. Quais são as regiões brasileiras que mais necessitam de profissionais da área? Como especializar esses profissionais?

Sim, eu tenho o privilégio de conhecer todos os estados do país e já ter proferido palestras, ministrado cursos em vários deles. Todos os estados brasileiros são carentes na área de estomaterapia. Vivemos num país continental e isso é fator dificultador. Ainda não há curso em todos os estados e a maioria deles concentra-se na região Sudeste. Contudo, é nas regiões Norte e Nordeste onde estão os maiores déficits, consequência da falta de especializações para capacitar os enfermeiros. Na região Norte, por exemplo, há somente um curso reconhecido, localizado na capital do Amazonas, Manaus, onde teve, até o momento, apenas uma edição que formou 17 especialistas. Na região Nordeste, há dois cursos, sendo um no Ceará e outro no Pernambuco, mas há outros em organização. Abrir um curso de estomaterapia é muito custoso. Assim, acredito que um curso itinerante poderia ser uma possibilidade para ir aos estados que não contam com esta especialidade. Mas é trabalhoso, teria que ter alguém com muita boa vontade, disposição e disponibilidade, além de ter uma entidade que assuma essa proposta em outras federações.

 

 

Atualmente, a senhora é coordenadora do curso de estomaterapia do Amazonas. Criatividade e empreendedorismo foram essenciais para a implantação deste curso?

Sim, foi necessário ter coragem e uma boa dose de empreendedorismo para realizar um curso de estomaterapia no estado do Amazonas, onde o acesso se dá apenas por avião e tudo fica com custo elevadíssimo. Não estou sozinha nesta empreitada, minha colega Selma Perdomo, que é professora da Universidade do Estado do Amazonas, faz parte dessa história. Quando pensamos em fazer este curso o Amazonas possuía apenas duas estomaterapeutas, e isso era incompatível para a realização de um programa que possui uma série de normas. Assim, tivemos que contar com a presença de colegas de outros estados para dar aulas teóricas e práticas. Envolvemos os alunos em atividades científicas, onde além de aprenderem a realizar simpósios em todas as suas etapas, foi possível obter mais recursos para investirmos no próprio curso. Contamos muito com apoio das empresas de tecnologias, especialmente nos simpósios. E, claro, não posso deixar de mencionar os benefícios da tecnologia, pois por meio de teleconferências pudemos nos articular com o curso da EEUSP que estava acontecendo na mesma época. Com essa estratégia, fizemos até um simpósio internacional envolvendo os dois cursos, momento em que contamos, inclusive, com professoras da Inglaterra e do Canadá, vindas financiadas pelo nosso curso. Foi um sucesso e um desafio muito grande. Mas, um dos grandes ganhos que tivemos foi a criação de um laboratório de pesquisa em estomaterapia, construído com apoio da iniciativa privada e que será inaugurado nesse ano, beneficiando as próximas turmas. É uma experiência extraordinária e inesquecível. Hoje temos mais 17 enfermeiros no local, egressos desse curso. Eu carrego sempre comigo as palavras de Walt Disney: “todos os sonhos podem ser realizados quando temos coragem de persegui-los”, e todos que eu sonhei e “persegui” eu conquistei.

 

 

Sua tese de doutorado envolveu o desenvolvimento de instrumentos para analisar a qualidade de vida de pessoas com feridas. O que a senhora pode nos contar sobre este trabalho?

Avaliar a qualidade de vida tem sido uma prática no contexto da saúde. Essa tese foi realizada na Escola de Enfermagem da USP, sob orientação da professora Vera Gouveia, em 16 serviços de assistência ambulatorial, localizados nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Ceará, onde 362 pacientes com feridas de diferentes etiologias foram entrevistados na fase principal. Outras entrevistas, com amostras, menores foram feitas para atender as diferentes etapas no complexo método de construção de instrumentos. Usamos com base a versão genérica do Índice de Qualidade de Vida de Ferrans e Powers, bem como todo o modelo conceitual dessas autoras, que são duas enfermeiras norte-americanas.

Desenvolver um instrumento e validá-lo com o intuito de ser largamente utilizado em nosso meio foi o grande mote do trabalho. E isso foi profundamente prazeroso e pudemos obter extenso aprendizado. Muitos colegas e pacientes colaboraram conosco nas diferentes fases do trabalho, aos quais sempre serei grata. A tese, na íntegra, pode ser acessada no banco de tese da USP (www.teses.usp.br), sob o título: “Índice de Qualidade de Vida de Ferrans e Powers: construção e validação da versão feridas”. O artigo está publicado na Revista da Escola de Enfermagem da USP.

 

 

O que a levou a desenvolver este tema?

Tenho interesse pelo tema feridas e qualidade de vida desde quando comecei a estudar a especialização em estomaterapia. No mestrado, eu tinha estudado qualidade de vida (QV), mas somente de pessoas com úlcera venosa, usando a versão genérica do instrumento acima referido. Os resultados demonstraram que esses pacientes apresentavam bom nível de QV, sendo tal resultado contrário ao que era apontado na literatura e na minha própria experiência. Isso, claro, me trouxe novos questionamentos, entre eles o fato de ter sido usado um instrumento genérico. Assim, resolvemos dar continuidade à investigação com instrumento específico. Como inexistia, partimos então para o seu desenvolvimento.  

 

 

O que de importante foi coletado?

A tese versa sobre a construção e suas propriedades psicométricas. Mas, existe uma riqueza de dados que não foram explorados por não terem sido objetivo daquele estudo. Entre eles a dor. Embora não sejam encontradas na tese as características da dor, os dados que temos revelaram que essas pessoas apresentavam muita dor nas feridas, e os descritores verbalizados revelaram que a dor era de origem neuropática. Além disso, a proposta analgésica não era compatível para tratar dor com essas características. Em síntese, pacientes com feridas sofrem de dor cronicamente. E isso é dado muito relevante.

 

“experiências clínicas aliadas ao estudo nos farão desenvolver um refinado julgamento clínico, que nos possibilitará cuidar com conhecimento de causa”.

 

 

Qual a importância da consulta de Enfermagem no pré e pós-operatório de estomias?

A consulta de enfermagem é primordial em qualquer área da enfermagem. Usamos a sistematização da assistência (SAE) e eu diria que a primeira consulta é um tanto demorada, pois necessitamos de detalhamentos e entendimento global do paciente/cliente. No pré-operatório de um candidato a estomia há muitos aspectos relevantes, mas chamo a atenção para a demarcação do sítio onde será implantando o estoma, pois esse procedimento é muito negligenciado. Em meus 13 como estomaterapeuta, conto nos dedos de uma mão quantos pacientes atendi com estoma demarcado. Isso é um dever profissional e não é exclusividade do estomaterapeuta, além de ser um direito do paciente. No pós-operatório há muitos cuidados relevantes também e que vão além da esfera física. O paciente precisa passar por um processo de reabilitação biopsicossocioespiritual. Enfatizo o autocuidado para devolver ao paciente a sua autonomia plena. Para os colostomizados definitivos a irrigação é um procedimento que comprovadamente melhora a qualidade de vida. E nós fazemos o treinamento dos mesmos para capacitá-los ao autocuidado.

 

 

Há muita demanda e poucos profissionais atuando. Pela sua experiência, falta qualificação?

O Brasil é muito grande, tem muitas instituições em todos os níveis de atenção. Há muita demanda sim e poucos profissionais porque ainda o que se tem de escolas não é suficiente para formar o que precisamos. Contudo, mais do que número precisa-se de especialistas engajados, que vistam a roupa, arregacem as mangas e lutem pelos ideais da especialidade. Que não se acomodem diante dos desafios. Há tantos que fazem o curso e não atuam diretamente, ou atuam um tempo e depois mudam para outras áreas. É necessária a criação de serviços estruturados de estomaterapia nas instituições. Não precisa ter muitos ETs num hospital, o que precisa é ter serviços, e esse profissional coordenar, assessorar, treinar enfermeiros para atividades mais simples. Avaliar e supervisionar os casos mais complexos. Há também a necessidade de divulgar mais a existência desse especialista, especialmente na mídia, mas também na própria saúde. Há tantos enfermeiros pelo Brasil afora que não sabem sequer o que é estomaterapia.  Agora imagina os demais profissionais da saúde?

Aproveito para agradecer ao Portal da Enfermagem por me dar a oportunidade de falar sobre esta área e poder alcançar muitas profissionais que talvez nunca ouviram falar dessa especialidade.

Outro aspecto que gostaria de salientar é que embora haja necessidade de mais especialistas, não podemos ter cursos a qualquer preço. Existem normas para a criação dos cursos, necessárias para se obter o mínimo de qualidade na formação. Gostaria de chamar a atenção dos enfermeiros para que não gastem seu tempo fazendo um curso tão especial quanto o de estomaterapia em escolas sem credenciamento. Essa especialidade foi criada com muito primor e é assim que deve ser mantida. 

 

 

Em mais de uma década como estomaterapeuta, qual mudança em sua opinião teve maior impacto na área?

Verificar que assistência realizada por um ET é eficiente e eficaz e que contribui grandemente para a cura, para o bem-estar e para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

 

 

Existe legislação específica sobre a enfermagem em estomaterapia, como a exigência deste especialista em unidades hospitalares?

Não existe ainda. É algo a ser conquistado. Mas, as instituições que entendem a importância desse especialista possuem cargos para os mesmos. Temos visto isso acontecer paulatinamente. Participei da reelaboração da Portaria do Ostomizado, do Ministério da Saúde, que foi uma grande conquista para os pacientes que necessitam desse cuidado. O projeto inicial foi criteriosamente feito para garantir serviços de diferentes níveis de atenção, onde o ET teria um papel fundamental.  Mas, infelizmente, não foi publicada conforme idealizada (Portaria 400, de 16/11/2009), não sendo ainda conquistado o que se desejava, e se deseja, para o enfermeiro ET. No serviço definido como “Atenção às Pessoas Ostomizadas II” prevê apenas que exista enfermeiro com capacitação em assistência às pessoas com estoma, além de psicólogo, nutricionista, assistente social e médico.  Contudo, é um caminho e ficamos na expectativa que na sua reformulação possa ser colocado que esse enfermeiro seja ET.

 

 

Quais são os aspectos organizacionais necessários para o desenvolvimento de serviços e programas para atendimento de pessoas estomizadas e incontinentes?

Dependerá do tipo de segmento, se público ou privado, e também do porte do serviço. No segmento público têm-se os programas de assistências aos estomizados, com uma nova Portaria 400/209 do Ministério da Saúde, onde constam tanto os recursos humanos, como materiais necessários para implantar um programa governamental. A área de incontinência é muito restrita, não há um programa específico, sendo oferecidos apenas cateteres para as pessoas que precisam fazer cateterismo vesical.  Um aspecto essencial em termos de estrutura física é a acessibilidade e o acesso ao banheiro, preferencialmente adaptados. E como recursos humanos o estomaterapeuta deveria ser obrigatório. Na área privada as atividades podem ser realizadas com implantação de serviços nos hospitais tanto para atender pacientes ambulatorialmente quanto internados. Podemos também instituir consultórios privados.

 

 

Conte-nos um pouco sobre sua esta trajetória, dificuldades e conquistas ao implantar o primeiro serviço privado no país.

Quando fui cursar estomaterapia já tinha intenção de desenvolver carreira solo e montar empresa na área. No mesmo ano, eu comecei a atuar como autônoma, me preparando para alcançar tais objetivos. No início de 1999, a empresa estava legalmente constituída com o nome de Enfmedic, atuando somente em domicílio (home care). Em 2000, inauguramos a nossa clínica, em São Paulo, sendo a atividade clínica realizada nesse mesmo local até o momento.

Esse foi um trabalho pioneiro, foi a primeira empresa especializada em estomaterapia, ou seja, com ênfase em todas as áreas de assistência da especialidade. Além da parte clínica, desenvolvemos a assessoria e educação permanente. Criamos um centro de estudos (Norma Gill) e realizamos uma séria de cursos de atualização e capacitação para a enfermagem, entre eles o desbridamento de feridas, de laser, podiatria etc. Procuramos trazer sempre as inovações da área.

Com relação às dificuldades, eu diria que se “mata um leão por dia”. Não é nada fácil ter um consultório de estomaterapia. Há dificuldades para sua manutenção, pois os custos são altos e há dificuldade de credenciamento junto a convênios. Eu diria que vivo literalmente pela fé. Mas, quando se faz o que se gosta e com dedicação plena, o sucesso é apenas uma consequência.

Várias foram minhas conquistas, contudo eu gostaria de salientar algo que dinheiro não paga, que é a autonomia como profissional, o respeito dos clientes e a satisfação em poder exercer a enfermagem com excelência, sem interferências externas, que por vezes tolhem a autonomia dos enfermeiros.

Para o futuro, espero que a estomaterapia ganhe mais espaço, conquiste mercado, que os convênios passem a ver o nosso trabalho como fundamental para seus clientes. Mas, acima de tudo, que a população enxergue o enfermeiro como um profissional liberal e capaz, e que ao alcançar a excelência clínica não seja visto como ‘médico’, mas como enfermeiro, e com letras maiúsculas.

 

“espero que a estomaterapia ganhe mais espaço, conquiste mercado, que os convênios passem a ver o nosso trabalho como fundamental para seus clientes”.

 

 

A senhora tocou em um ponto importante e de conflito, o credenciamento do enfermeiro junto aos convênios. Atualmente, como está esse cenário? Quais os argumentos que o profissional pode utilizar em busca desse credenciamento?

Credenciamento é uma raridade. Não conheço enfermeiros (como pessoa física) credenciados a convênios. Quando se tem empresa há essa possibilidade. Às vezes o próprio convênio sai em busca. Argumentos? O convênio necessita de custos baixos e, sem dúvida, efetividade.

 

 

Os pacientes que a senhora recebe são oriundos de onde?

Indicação de médicos e procura espontânea. Meu trabalho é 100% privado. Há procura espontânea pelo site da empresa e colegas enfermeiros também encaminham pacientes. Mas a indicação de outros clientes é o mais frequente. Um paciente satisfeito, com seu problema resolvido, é o nosso melhor marketing.

 

 

Em relação ao tratamento, o uso dos produtos na terapêutica deve estar prescrito por médicos ou o enfermeiro ET tem autonomia?

Se não for medicamento o ET tem e deve ter autonomia para prescrever. Eu trabalho em um consultório privado. Quando os médicos me enviam seus pacientes eles já o fazem esperando que tome a conduta certa e resolva o problema dos mesmos. Se a conduta for baseada em um medicamento eu solicito autorização.

 

 

O que a senhora recomenda ao enfermeiro que deseja especializar-se na área?

Gostar, ser apaixonado pela área, se engajar com os cuidados à população alvo, fazer cursos de capacitação, associar-se à entidade que representa a especialidade, nesse caso a Sobest, fazer pesquisas, mesmo que sejam estudos de caso. E, sem dúvida, cursar a especialização, pois não é possível ser estomaterapeuta sem ter a especialização. E é importante ele cursar estomaterapia em uma escola reconhecida pelas entidades de representação da especialidade (Sobest e WCET). O candidato pode ser aprovado somente por currículo (sendo a minoria). Quando não se consegue aprovação pelo currículo, complementa-se a nota com a realização de prova, havendo uma nota definida para ser aprovado. Para ser um Estomaterapeuta TiSobest ele deverá passar por processo de titulação depois de concluir a pós-graduação. E titulação tem validade de seis anos e a renovação exige um novo concurso público. Seis anos é tempo suficiente para o profissional manter-se antenado em todas as nuances da especialidade e adquirir pontos e conhecimento para sua renovação. A primeira titulação pela Associação aconteceu em 2007.

 

 

Yamada B. Portal da Enfermagem – Estomaterapia: especialidade em ascensão [internet] 2011 [citado 2011 Agosto 16]. Disponível em http://www.portaldaenfermagem.com.br .