São Paulo, 24 de abril de 2024
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Prontuário do Paciente

Josenir Teixeira
Advogado, Mestre em Direito, especialista em Saúde e Terceiro Setor
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20/12/2010

A origem do que hoje conhecemos como Prontuário do Paciente se deu nos Estados Unidos, em Minnesota, por volta de 1880. Foi o cirurgião William Mayo, da Clínica Mayo, que observou que a maioria dos médicos mantinha anotações dos pacientes de forma cronológica.

 

Entre 1913 e 1918, o Colégio Americano de Cirurgiões estabeleceu os “Padrões Mínimos de Assistência Hospitalar” a serem alcançados pelos hospitais que pretendessem a sua aprovação. O preenchimento do prontuário era uma das exigências.

 

No Brasil, o primeiro hospital a implantar o serviço foi o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, em 1943. O segundo hospital brasileiro a implantar o Serviço de Arquivo Médico e Estatística, responsável por coordenar as ações e documentos do Prontuário, foi a Santa Casa de Santos, 1945. O terceiro foi o Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.

 

De lá para cá, a forma como se compõe o Prontuário e o método para o seu preenchimento se adaptaram às exigências legais, princípios norteadores da qualidade. Um dos fatos que merece grande destaque, sem dúvida, é a percepção de que o Prontuário é do paciente e não da equipe de saúde.

 

Para explicar as finalidades do Prontuário do paciente, sua regulamentação, quem tem direto ao acesso e demais questões legais, o Portal da Enfermagem conversou com o advogado Josenir Teixeira, Mestre em Direito, especialista em Saúde e Terceiro Setor, que explica, inclusive, as informações que devem constar neste documento e quais cuidados a equipe de saúde deve ter ao realizar os registros.

 

Quais são as principais finalidades do Prontuário, o que ele assegura para o paciente, hospital e equipe de saúde?

O Prontuário do Paciente possui várias finalidades. Cito as principais:

1. Registro da assistência profissional disponibilizada pela equipe multidisciplinar de uma instituição de saúde ao paciente;

2. Ganho de tempo na identificação da evolução do paciente, a partir de registros claros, precisos e cronológicos;

3. Apoio diagnóstico aos profissionais que atendem o paciente, possibilitando dar-lhes maior segurança no estabelecimento do diagnóstico e da terapêutica a ser empregada.

4. Estatística – do Prontuário do Paciente se extraem as mais diversas informações de interesse do paciente, dos profissionais e da ciência da saúde.

5. Cobrança - é no Prontuário do Paciente que estão prescritas todas as medicações e utilização de materiais que deverão ser cobrados do paciente, dos convênios ou do Poder Público.

6. Defesa – infelizmente, talvez esta finalidade seja a mais importante hoje, quando profissionais e estabelecimentos de saúde são acionados por pacientes insatisfeitos com o resultado do seu atendimento. Será o Prontuário do Paciente o único documento sobre o qual se debruçarão os operadores do Direito (advogado, delegado, promotor de justiça, juízes, desembargadores etc.) e outros profissionais para analisar se a conduta adotada pelos profissionais de saúde foi (ou era) compatível com o quadro clínico apresentado e com o tratamento dispensado. Desta análise é que se chegará à conclusão da ocorrência ou não de um “erro” profissional, que poderá ser punido administrativa, ética, penal e civilmente.

7. Pesquisas científicas e de ensino – é com base nas informações técnicas constantes do Prontuário do Paciente que se colherão subsídios que servirão de estudos para constituir a base do progresso científico e de descobertas.

8. Informações epidemiológicas – é o Prontuário do Paciente que contém informações que orienta a sociedade no controle de epidemias.

9. Eficiência dos profissionais – podemos constatar a competência, deficiência ou eficiência dos profissionais da saúde pela análise das informações constantes do Prontuário do Paciente.

10. Meio de comunicação – é o Prontuário do Paciente o documento que deve servir de meio de comunicação entre as equipes multidisciplinares que atuam em prol do paciente.

11. Elaboração de relatórios e atestados – é a partir das informações constantes de tal documento que é possível elaborar relatórios e emitir atestados sobre a situação do paciente.

 

Como é constituído o Prontuário?

A definição de Prontuário do Paciente, constante da Resolução CFM 1.638/02, nos dá subsídios para responder a pergunta. O Conselho Federal de Medicina (CFM) conceitua o Prontuário como sendo o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre os membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.

O prontuário deve ser composto por um conjunto de informações obtidas a partir da observação técnica do paciente e deve ser montado de maneira organizada que permita que elas sejam utilizadas, revistas e revisitadas pela equipe multiprofissional sempre que for necessário.

 

“ele deve ser montado de maneira organizada que permita que elas sejam utilizadas, revistas e revisitadas pela equipe multiprofissional sempre que for necessário.”

 

 

Quais informações precisam estar relacionadas no prontuário?

Todas as que disserem respeito ao paciente. O conceito de prontuário nos diz que tal documento é um “conjunto de informações, sinais e imagens geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada.”

Portanto, todas as informações relativas ao paciente e ao processo de cuidar dele devem estar escritas no prontuário, de forma legível, obviamente. Enfatizo a importância de o profissional que atuar no atendimento do paciente assinar abaixo da descrição do seu ato e se identificar com o nome completo, data e horário e número de inscrição no Conselho Profissional.

 

Fale um pouco sobre os aspectos éticos e legais do preenchimento, manuseio e com relação a cópias dos prontuários do paciente.

A elaboração do prontuário tem um objetivo: possibilitar o entendimento do que acontece com o paciente. Não é o profissional que escolhe ou define o que ele deve escrever no prontuário. Quem diz qual informação deve estar escrita no prontuário é a legislação. Há leis, decretos, resoluções e uma série de normas legais, de observância obrigatória, que determinam o que os profissionais da saúde devem escrever no prontuário e de que forma tais informações precisam estar lá registradas. Então, a primeira coisa a ser feita pelos profissionais ou estabelecimentos de saúde é conhecer as normas legais que interferem diretamente no seu trabalho, determinando quando, como e de que forma o serviço deve ser executado. Infelizmente, nem sempre é assim que o processo de registro das informações se inicia.

Os aspectos éticos e legais serão analisados, confrontados e fiscalizados por uma autoridade. Pode ser do Conselho ao qual o profissional pertence, do Judiciário, do Executivo e por aí vai. E as autoridades terão como parâmetro, na análise do prontuário, a legislação que determina os procedimentos a serem adotados em relação a ele. Se a autoridade constatar que o prontuário foi preenchido de forma diferente do que as normas legais determinam, obviamente que ela será obrigada a aplicar as punições que a legislação prevê ao profissional que agiu em desconformidade com o determinado. Portanto, a obtenção de conhecimento acerca das normas legais que se referem ao prontuário é o primeiro passo para evitar problemas de qualquer ordem e trazer segurança ao paciente, a partir das informações completas que os profissionais devem escrever em tal documento.

O prontuário só deve ser manuseado por profissionais da saúde que estejam obrigados a manter o sigilo das informações ali constantes, conforme determinam os respectivos Códigos de Ética de cada categoria.

O paciente tem o direito de ter cópia do seu prontuário quando quiser, diretamente ou por meio de um parente ou advogado, desde que autorize por escrito tais pessoas a ter acesso ao documento. No caso de óbito do paciente inexistirá a autorização para o acesso de terceiros à cópia do paciente. Neste caso, ninguém terá direito a obter a cópia do prontuário. Eu disse ninguém, ou seja, nenhum parente. Nem a viúva, o beneficiário, o filho, a mãe ou o amante. Ninguém. Nenhuma autoridade, seja ela qual for, terá direito de pedir a cópia do prontuário do paciente. Nenhuma. Caso a autoridade necessite de informações constantes do prontuário, ela deverá nomear perito (profissional da saúde: médico, enfermeiro etc.) para colher as informações diretamente no documento, pois tal profissional também é obrigado a manter o sigilo das informações constantes do prontuário.

 

Os convênios e as operadoras de saúde podem solicitar o prontuário do paciente?

A via original do prontuário do paciente nunca poderá sair das dependências do estabelecimento de saúde. Por nenhum motivo. Sob qualquer hipótese. Somente o profissional de saúde poderá ter acesso ao prontuário, pois ele estará obrigado a manter o sigilo das informações a que tiver acesso.

Se o convênio ou a operadora de saúde disponibilizar profissionais da saúde para analisar os prontuários, os estabelecimentos de saúde não terão argumentos para impedir tal prática, pois tais prepostos estão sujeitos à manutenção do sigilo das informações.

Os estabelecimentos devem evitar mandar cópia do prontuário para os convênios, pois nem sempre as pessoas que irão manuseá-lo serão profissionais da saúde, o que coloca em risco as informações constantes de tal documento.

Porém, sabemos que, na prática, a teoria é outra. Na maioria dos casos, os estabelecimentos de saúde mandam as cópias a quem quer que as solicite. É um risco que eles estão assumindo e que podem ser obrigados a responder por eventual publicidade que o documento tiver.

O prontuário fica arquivado nos estabelecimentos de saúde, sendo que a administração destes é quem dirige seus destinos. Portanto, qualquer pedido, de qualquer ordem, deve ser dirigido à Diretoria Administrativa do estabelecimento, que distribuirá a responsabilidade a quem de direito.

 

Quais cuidados devem ser tomados em relação ao Prontuário?

O prontuário não deve ser rasurado. As informações devem ser escritas em ordem cronológica, com clareza de raciocínio, contextualizadas e com letra legível. As informações devem ser anotadas a partir da observação que o profissional fizer e constatar no momento de atender e cuidar do paciente. 

 

Por quanto tempo o prontuário deve ficar arquivado? E a qual departamento fica esta responsabilidade?

O prontuário deve ficar arquivado por 20 anos a contar do último atendimento do paciente, se for confeccionado em papel. Se ele for elaborado em meio eletrônico ele deve ficar arquivado em caráter permanente, ou seja, para sempre.

O departamento que ficará responsável pelo arquivamento do prontuário será aquele determinado pela Diretoria Administrativa do estabelecimento de saúde, sendo normalmente o SPP (Serviço de Prontuário do Paciente).

 

Como está a evolução do Prontuário Eletrônico?

Desde 1993, pelo menos, é possível utilizar a forma eletrônica de elaboração do prontuário do paciente. Prontuário Eletrônico é totalmente diferente da digitação do prontuário em terminal de computador e impressão da respectiva folha. Neste caso, estamos falando de prontuário em papel, pois apenas houve a impressão das informações digitadas. Prontuário Eletrônico não é isso. Prontuário Eletrônico é o processo de elaboração do prontuário sem a utilização de papel em nenhum momento, com armazenamento das informações diretamente no software, podendo elas ser acessadas somente por meio de senha pessoal em monitores ligados ao sistema.

A complexidade técnica exigida pelo software foi um dos grandes entraves que impediu a sua utilização. Outro enorme problema ainda é o custo deste sistema, que é altíssimo. Os órgãos responsáveis pela liberação da utilização de software, ou seja, CFM (Conselho Federal de Medicina) e SBIS (Sociedade Brasileira de Informática em Saúde) demoraram muito para certificar os sistemas que poderiam ser utilizados pelos estabelecimentos de saúde. Somente em novembro de 2009, há um ano, é que houve a primeira certificação. Até agora existem apenas cinco softwares certificados, sendo eles os únicos que podem ser utilizados para a elaboração do prontuário na forma eletrônica.

 

Qual é a legislação que trata de Prontuário do Paciente?

São várias as normas jurídicas que dizem respeito ou se aplicam ao tema Prontuário do Paciente, direta ou indiretamente. Por exemplo: Resoluções do CFM (Conselho Federal de Medicina) nºs. 1.605/02, 1.638/02, 1.821/07, 1.931/09 etc.; Resolução Cremesp nº 70/95; Resoluções Cofen nºs. 272/02, 311/07. Decisão DIR/001/2000 do Coren/SP; Constituição Federal; Leis federais nºs. 2.604/55, 7.498/86, 8.069/90 (ECA); Decretos federais nºs. 50.387/61, 94.406/87; Leis estaduais (SP) nºs. 10.083/98 e 10.241/99; Lei municipal (SP) nº 13.725/04 e várias outras.

 

Você escreveu o livro “Prontuário do Paciente: aspectos jurídicos”. Qual a importância dessa obra e o que ela poderá nortear à enfermagem?

O livro é um auxílio, pois o profissional da enfermagem tem reunidas informações importantes que dizem respeito diretamente ao exercício da sua profissão. O livro traz mais de 70 decisões judiciais a respeito de situações que envolvem o assunto prontuário do paciente e retratam acontecimentos que verificamos no nosso dia a dia. A partir da sua leitura fica mais fácil visualizar a importância de atuar e preencher o prontuário com cuidado, pois a não adoção de tal prática pode atingir o bolso e a sua situação profissional perante ao Conselho Regional, que pode puni-lo inclusive com a cassação do direito de exercer a enfermagem, caso ele cometa algum deslize. Está disponível em www.abeditora.com.br .