O fechamento dos portões do Pronto-Socorro do Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, na Santa Cecília, na noite desta terça-feira (22), deixou pacientes desesperados sem atendimento. O centro médico deixou de atender casos de emergências e urgências na unidade por falta de condições financeiras.
No começo da noite, casos de pacientes sem atendimento se acumulavam no portão. Um deles era o de um rapaz que teve reações após tomar um anabolizante. Com o braço inchado, ele só foi atendido após seu caso despertar a atenção de quem se aglomerava no local. Funcionários e bombeiros civis encaminhavam pacientes para o Hospital das Clínicas, na Avenida Doutor Arnaldo, na região da Paulista. Outro caso era o de uma mãe que buscava atendimento para o filho.
"A gente está com criança e tem que passar por isso? Ele está com febre desde sábado, quarenta graus de febre. Ele não comeu nada, meu filho tá doente", alegava a mãe, enquanto conversava com funcionários.
O fechamento do Pronto-Socorro da Santa Casa de São Paulo também pegou de surpresa Kaleb Velasquez, que, por volta das 21h30, buscava atendimento para a mãe dele, portadora de diabetes. "Minha mãe está passando mal", gritava, de dentro do carro. Ante a informação de que o PS estava fechado, ele disse que buscaria auxílio em outro hospital, na Barra Funda, Zona Oeste da capital.
Morador na Bela Vista, Claudio Antônio dos Santos, de 42 anos, marido de Sueli Felix dos Santos, de 34 anos, teve mais sorte. Ele foi atendido às 17h40, pouco antes do fechamento do PS. "Ele estava sentindo dor do lado esquerdo da virilha. Acredito que seja hérnia, porque ele já foi operado uma vez. Ele foi atendido, passaram a receita médica e falaram que, qualquer coisa, ele voltasse", afirmou ela.
Vizinha de Sueli, Vanda Rithon disse que achou ótimo o fechamento do PS, porque acredita que assim serão tomadas providências para suprir medicamentos e gaze. "No PS, todo mundo estava sendo atendido. Quem está no soro, no soro. Quem estava com medicação, já estava. Só não vai entrar mais gente", afirmou.
Referência na América Latina - A instituição diz ser o maior centro médico filantrópico da América Latina com 8 mil atendimentos diários em todas as suas unidades. O fechamento do pronto-socorro é o ápice de uma crise que se agrava ao longo dos anos e que afeta também outros hospitais filantrópicos pelo país. Em junho, a TV Globo mostrou que cirurgias estavam sendo canceladas por falta de materiais. A dívida estimada da Santa Casa é de R$ 400 milhões.
O hospital, que é administrado pela Irmandade da Santa Casa, diz que faltam recursos para a aquisição de materiais e medicamentos. De acordo com Kalil Rocha Abdalla, provedor da Santa Casa de Misericórdia, a Irmandade não poupa esforços “para reverter a situação junto às autoridades responsáveis pela saúde pública e voltar a oferecer os serviços de qualidade aos pacientes”.
A Santa Casa é um hospital filantrópico privado, que não cobra dos pacientes. O atendimento é financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e complementado pelo governo do estado. A Irmandade é referência no atendimento hospitalar no estado e a estimativa é que tenha sido fundada em 1560. A sede na Santa Cecília foi inaugurada em 1884.
Dívida acumulada - Em junho, o Bom Dia São Paulo mostrou que cirurgias chegaram a ser adiadas para não atrapalhar o funcionamento do Pronto-Socorro. Na ocasião, Antônio Carlos Forte, superintendente da Santa Casa, admitiu que o atendimento poderia ser suspenso por falta de recursos. A direção da Santa Casa estimava a dívida do hospital em R$ 400 milhões.
À época, o secretário estadual de Saúde, David Uip, afirmou que o SUS paga 40% do custo do atendimento de um paciente no pronto-socorro e que o governo estadual complementava o valor. "Então, quanto mais esse pronto-socorro internar, maior a dívida. (...) O estado tem entrado financiando esse subfinanciamento (do SUS)", disse Kalil.
À época, o Ministério da Saúde informou que criou uma linha de apoio para as Santas Casas no país e que o hospital de São Paulo precisava se credenciar no programa.
Crise na saúde filantrópica - A crise afeta diversos hospitais filantrópicos pelo país. No ano passado, a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Brasil (CMB) estimava as dívidas das instituições de saúde filantrópicas em cerca de R$ 15 bilhões. Deste total, R$ 5,4 bilhões são referentes a débitos com a União (relativos a dívidas tributárias e previdenciárias) e R$ 10 bilhões acumulados com bancos e fornecedores.
Em outubro de 2013 o Ministério da Saúde lançou o programa de renegociação das dívidas das santas casas. Segundo o Ministério, a nova legislação permite que a dívida das instituições de saúde seja abatida desde que os hospitais mantenham o pagamento das demais contas em dia e garantam o aumento de atendimentos por meio do SUS.
A expectativa do ministério é de que o perdão total das dívidas das santas casas com a União ocorra em até 15 anos, a partir de 2014. O governo também abriu uma linha de crédito junto à Caixa Econômica Federal para que as instituições possam renegociar dívidas contraídas com a iniciativa privada. Os hospitais terão até 120 meses para pagar o financiamento, com taxa de juros de 1% ao mês.
Santa Causa - Em julho de 2012, a direção da Santa Casa firmou uma parceria com a Eletropaulo, concessionária de energia elétrica, que permitia doações por meio da conta enviada às residências. O valor arrecadado é direcionado para o hospital. Mais informações podem ser obtidas pelo site da parceria: www.santacausa.org.br.
Atualmente a Irmandade mantém diretamente ou através de Organização Social de Saúde 13 unidades hospitalares, duas policlínicas e uma unidade de pronto atendimento (UPA) em Guarulhos, três prontos-socorros municipais e 11 unidades básicas de saúde. A estimativa é que faça atendimento de cerca de 8 mil pessoas diariamente em todas as especialidades médicas.