Divulgar ações do cuidar é um dos grandes objetivos do Portal da Enfermagem. Identificar e destacar personalidades que fazem desta ciência um exemplo a ser seguido também.
E na busca por nomes que são inspirações para a profissão, o Portal conheceu a enfermeira Maria Tereza Notarnicola, que há mais de 60 anos dedica sua vida a cuidar do outro.
Relatada pela Drª. Taka Oguisso, em maio deste ano, durante a abertura da Semana de Enfermagem do Coren-SP, a vida de Irmã Tereza em prol da assistência merece ser compartilhada.
Conheça este exemplo de vida.
Homenagem à Irmã Maria Tereza
Por Drª. Taka Oguisso
Em julho de 1972, no XXIV Congresso Brasileiro de Enfermagem, realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, presidido pela Drª. Amália Corrêa de Carvalho, ocorreu a homenagem à “Enfermeira do Ano” para a Irmã Maria Tereza Notarnicola. Era a quinta vez que essa homenagem era prestada pela Associação Brasileira de Enfermagem para uma enfermeira, tendo sido a primeira em 1968, para Waleska Paixão, em 1969 para Clarice Ferrarini, em 1970 para Drª. Maria Rosa Sousa Pinheiro, em 1971, para Josephina de Melo e a quinta para Irmã Maria Tereza. Era um prêmio instituído em 1967, e que, infelizmente, não teve grande durabilidade.
Depois disso, a ABEn, ao reformar os Estatutos, incluiu a categoria de Membro Honorário para ser oferecido a alguns nomes de destaque na classe.
Em 1972, Clarice Ferrarini, indicada para fazer a apresentação da homenageada, enumerou a extensa lista de atividades desenvolvidas por Irmã Tereza e que justificavam plenamente a outorga daquela distinção.
Além de cursos de extensão universitária e atualização de conhecimentos no país, Irmã Tereza fez também estudou em Paris, com bolsa de estudos da Maison de France. Fez também o Curso de Pós-Graduação em Enfermagem Obstétrica, como aluna de Madre Marie Domineuc, no Hospital São Paulo, atualmente Unifesp. Recebeu inúmeras medalhas de Honra ao Mérito e Placas de prata, especialmente das seções de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn).
Para a ABEn e, portanto, para os enfermeiros e enfermeiras do Brasil, Irmã Maria Tereza dedicou uma grande parte de sua vida, através da atuação como presidente da ABEn-MG, na Diretoria como 1ª Tesoureira, coordenadora de cursos e de inúmeras comissões, gerente da Revista Brasileira de Enfermagem, além de secretária executiva da ABEn Nacional, entre os inúmeros cargos exercidos. Deu provas sobejas de competência com seu talento e capacidade para gerir negócios, quase que multiplicando os poucos recursos. Sua forte liderança e atuação na Comissão Pró-construção da sede foram essenciais para o acompanhamento e finalização da construção da sede própria da ABEn, em Brasília. Viajou inúmeras vezes por 18 horas em ônibus entre Rio de Janeiro e Brasília para acompanhar o andamento das obras de construção nos idos do final da década de 1960, até sua inauguração em 1972.
Irmã Maria Tereza é provavelmente a única enfermeira viva que conheceu e colaborou diretamente com o trabalho de todas as presidentes da ABEn Nacional, desde a primeira, Edith de Magalhães Fraenkel, Zaira Cintra Vidal, Hilda Anna Kirsch, Waleska Paixão, Marina de Andrade Resende, até o final da década de 1980, quando a ABEn já completava seus 60 anos de existência. Trabalhou por 33 anos seguidos para a Enfermagem e para os enfermeiros brasileiros. È um longuíssimo tempo. Muitas Irmãs de Caridade se destacaram em diferentes trabalhos para a ABEn e para a enfermagem, mas dedicar-se por tanto tempo e em tantas atividades foi só uma: Irmã Maria Tereza Notarnicola.
Mas, quem é Irmã Maria Tereza?
Irmã Tereza tem origem italiana nascida de imigrantes italianos, procedentes de Bari, sul da Itália. Ela mesma nasceu no Braz, em São Paulo, em 8 de maio de 1920, isto é, 100 anos depois de Florence Nightingale, e foi registrada como Maria Notarnicola. Eram cinco irmãos, sendo dois homens e três mulheres. Depois dos estudos primários e secundários, aos 17 anos decidiu ingressar na Companhia das Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo. Depois de um ano de noviciado, foi enviada para Porto Alegre, onde permaneceu de 1939 a 1944. Uma enfermeira francesa da mesma comunidade achou que essa noviça daria uma boa enfermeira e conseguiu que a superiora a enviasse para o Rio de Janeiro fazer um curso na Escola de Enfermagem Luisa de Marillac.
A Companhia das Filhas da Caridade foi fundada por São Vicente de Paulo e Santa Luiza de Marillac, em 1633, no século XVII, em Paris a partir de onde foi difundido para todo o mundo. Chegou ao Brasil em 1832, para trabalhar na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e também no Hospital Nacional de Alienados, onde foi fundada a atual Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da UNIRIO.
Em seu discurso, Clarice Ferrarini referia que depois de formada em 1947, Ir Tereza cruzou o Brasil diversas vezes na sua missão de Caridade. Entre as diversas instituições onde trabalhou como enfermeira, invariavelmente em função de chefia ou gerência, podem ser enumeradas: Maternidade Pedro II, Asilo São Vicente de Paulo, em Araguari (MG), Hospital de Bonsucesso (antigo IAPTEC), Maternidade Sarah Kubitschek, Hospital das Clinicas de Belo Horizonte, MG, no setor hospitalar e como ecônoma da Província do Rio de Janeiro da Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente, à qual ela pertence, além de outros cargos na Conferencia dos Religiosos do Brasil (CRB).
Em um artigo publicado na Revista Brasileira de Enfermagem, em novembro-dezembro de 2006, perguntávamos: Qual o legado de Irmã Maria Tereza Notarnicola para o desenvolvimento e o reconhecimento profissional da enfermagem? Como se deu sua contribuição para a consolidação da ABEn? Que significados atribui à sua prática e à inserção nas atividades profissionais? Essas interrogações despertaram-nos para a preocupação na conservação da memória da profissão a respeito de acontecimentos marcantes e a repercussão destes fatos para o processo histórico-social do desenvolvimento da enfermagem nos cenários nacional e internacional. Assim, a memória é algo pessoal e intransferível que é conservada em um processo contínuo de lembranças, significação e socialização.
Irmã Tereza foi testemunha ocular do seu tempo, que continua com sua memória bem viva e lúcida, acerca da História da Enfermagem Brasileira. Buscávamos identificar os fatores que motivaram sua atuação profissional, sua inserção no processo de construção da identidade da enfermagem, e a valorização da profissão.
A última etapa de sua vida refere-se ao trabalho atual, que Ir Tereza exerce na Obra Social Roberto Ugolini, em Santa Branca, cerca de 80 km da Capital. Ela já havia encerrado sua carreira e havia dado baixa ao seu título de enfermeira no COREN-SP, recebido o titulo de membro remido, quando foi requisitada pela Comunidade a servir nessa Obra Social que acolhe pessoas idosas. Por ter voto de obediência, simplesmente obedeceu e lá foi onde se encontra até hoje, há mais de 10 anos como responsável técnica, embora recentemente a Província tenha enviado outra Irmã de Caridade e enfermeira para assumir essa posição. Sempre procurou ser fiel a Deus e ao seu voto de obediência. Ao chegar nessa Obra, dez anos atrás, percebeu que a casa estava em condições muito precárias com as instalações todas deterioradas, precisando de uma urgente reforma e obras de conservação. E como manter uma casa com idosos de ambos os sexos? A Superiora havia solicitado que iniciasse uma reforma. Quase tudo foi demolido, só ficaram os alicerces. Com a ajuda de amigos e familiares, grande parte do material necessário foi obtida. A construção consumiu R$ 660 mil reais, em sua quase totalidade obtida através de doações, graças à sua simplicidade e ao seu prestigio pessoal e o simbolismo que representam as Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Como repetia Ir Tereza, ela vivia superando dificuldades, mas sempre com os pés no chão e confiante na graça de Deus. Já havia enfrentado as mesmas dificuldades no Hospital São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro, construído na mesma área onde fica a Cúria Provincial, o Colégio São Vicente e o Santuário da Medalha Milagrosa. A Congregação teve que hipotecar oito propriedades situadas entre o Rio de Janeiro e São Paulo pelo empréstimo feito no Ministério da Saúde, em um valor muito alto na época, cerca de duzentos e quarenta mil cruzeiros. Por causa da inflação galopante da época, as Irmãs tiveram que deixar o Hospital São Vicente, no Rio de Janeiro, como pagamento da dívida, que se tornava uma bola de neve. Com muita luta e sacrifício a dívida foi saldada e levantada e extinta a hipoteca. Orgulhosamente Ir Tereza diz que atualmente, o Hospital São Vicente é um dos melhores no Rio de Janeiro e recebeu várias vezes a premiação do ISO 9002.
Essa é a Irmã Maria Tereza, grande amiga de longa data, que nos tem ajudado em todos os empreendimentos da Enfermagem. Continua uma fidelíssima Filha da Caridade, que permanece há 73 anos, renovando anualmente os seus votos de fé e convicção na grande obra iniciada por São Vicente de Paulo e Santa Luiza de Marillac, no século XVII. Como enfermeira manteve e mantém sempre acesa a chama do ideal, que alavancou toda sua vida profissional. Ela é um modelo profissional para todos nós e para as futuras gerações de enfermeiros.
Que esse relato sobre sua vida possa inspirar os jovens de hoje para se tornarem enfermeiros de corpo e alma, e de coração, mente e espírito.
Foto: Divulgação Coren-SP