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Gerenciamento de Risco

Liliane Bauer Feldman
Enfermeira, especialista em Administração Hospitalar e doutora em Administração Serviços de Saúde
[email protected]

28/06/2011

Com a implantação da Acreditação Hospitalar, nos anos 90, gerenciar riscos nas instituições de saúde tornou-se premissa básica e norteadora dos processos assistenciais para obter a certificação da Qualidade. Tanto que hospitais incorporaram a segurança e a prevenção de danos ao paciente exatamente nos padrões, normas e critérios de avaliação definidos em manuais de acreditação.

 

“Sem qualidade não há segurança e sem segurança não há qualidade” informa a enfermeira Liliane Bauer Feldman, especialista em Administração Hospitalar, doutora em Administração de Serviços de Saúde e Gerenciamento de Enfermagem, nesta entrevista que aborda o tema Gerenciamento de Risco.

 

O enfermeiro é um facilitador no gerenciamento dos fatores potenciais de risco e eventos adversos, e este assunto é tão relevante que, em 2008, foi criada a Rede Brasileira de Enfermagem e Segurança do Paciente - REBRAENSP, uma iniciativa da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) constituída de membros de estados distintos, com o objetivo de disseminar e sedimentar a segurança nas organizações de saúde, escolas, universidades, programas e organizações não governamentais com intuito de prevenção de danos e de fortalecimento das ações na assistência ao paciente.

 

Organizadora do livro “Gestão de Risco e Segurança Hospitalar”, Liliane Feldman enfatiza neste bate-papo que na Gestão de Risco o enfermeiro tem papel primordial, pois é ele quem conhece a rotina da instituição e as necessidades dos clientes e dos serviços. “É um profissional que tem competência para buscar formas, indicar meios e aplicar as sugestões de como eliminar riscos, minimizar danos, evitar processos judiciais e, desta feita, promover a segurança”.

 

Ela ainda lembra que riscos as pessoas tem o tempo todo, mas que o necessário é evitar os efeitos negativos dos riscos. Ela ressalta ainda que, atualmente, o grande desafio é fazer com que instituições de saúde entendam que qualidade e segurança é um elo permanente para se manter o padrão de excelência com vigilância de riscos e competitividade financeira.

 

 

 

O que é Gerenciamento de Risco Hospitalar?

Administração ou gestão de risco é um processo implantado na organização, no caso, na saúde, de forma sistêmica e sistemática com a finalidade de detectar precocemente situações que podem gerar consequências negativas às pessoas, à organização e ao meio ambiente. Segundo a Norma Brasileira NBR ISO 31:000 sobre Gestão de Riscos - Princípios e diretrizes, gestão de riscos “são atividades coordenadas para dirigir e controlar uma organização no que se refere a riscos”.

 

 

Gestão de Risco é diferente de Gerenciamento de Risco?

Sim. Houve um período em que se usavam nomenclaturas variadas por vezes com o mesmo significado. Entretanto, com a recém-lançada ISO 31:000 de 2009, citada acima, e com a publicação da taxonomia para segurança do paciente, de Bohomol E, Denser C e Harada MJ, descrita no livro de Gestão em Enfermagem 2011, da editora Yendis, as palavras foram definidas para este contexto. Portanto, Gestão de Risco traduz-se pelo conjunto de componentes que fundamentam os arranjos organizacionais composto com a política, objetivos, mandatos, comprometimento, planos, responsabilidades, recursos, relacionamentos, processos e atividades estruturais para a concepção, implementação, monitoramento, analise crítica e melhoria contínua da gestão dos riscos por toda organização, ou seja, planejamento – o que fazer.

O Gerenciamento é entendido pela operacionalização, ou seja, o como fazer. Traduz-se pelos aspectos relativos à comunicação entre as partes, ao estabelecimento do quadro para identificação, análise, avaliação, tratamento e monitoramento dos riscos. Portanto, trata-se do gerenciamento dos riscos nas atividades e tarefas diárias.

 

 

Quando, onde e como nasceu a preocupação com a administração de riscos?

A administração de riscos começou a se desenvolver nos EUA a partir dos anos 50. Algumas grandes empresas americanas, nessa década, incorporaram a função Gerência de Riscos, que inicialmente compreendia a compra e gestão das apólices de seguro. Posteriormente, a Gerência de Riscos ampliou seu campo de atuação, incorporando a assessoria na tomada de decisões pela necessidade de questionar os riscos das empresas, e para isso buscaram profissionais especializados dedicados a estreitar e tratar de maneira especial o relacionamento com as seguradoras.

O Processo de Gestão de Riscos é aplicado a qualquer situação que possa gerar consequências negativas ou um resultado não mapeado ou não esperado, e é parte integrante de toda boa gestão.

A metodologia incorporou-se ao setor da saúde nos EUA há cerca de 30 anos, decorrente da evolução e alto grau de complexidade dos hospitais e empresas de saúde, como laboratórios clínicos, bancos de sangue e agências transfusionais, centros de diagnóstico por imagens entre outros. Paralelamente, com o mesmo objetivo: proteger as organizações de saúde contra as perdas.

No início, a gestão de riscos na saúde também dedicou a máxima atenção na contratação de seguros de responsabilidade civil para cobrir consequências econômicas das ações e processos por má prática, tanto contra profissionais como contra os hospitais.

Em meados dos anos 70, produziu-se, naquele país, a chamada “crise do seguro da má prática”. Esta situação se caracterizou pelo crescimento das reclamações por negligência devido às altas importâncias financeiras acordadas nos tribunais de justiça, pelo aumento dos prêmios das apólices de seguro, pelas dificuldades cada vez maiores que pleiteavam as seguradoras na contratação das apólices de responsabilidade civil e pelo gasto público que tudo isso representava para os profissionais e empresas de assistência à saúde. Essa situação levou as organizações e empresas de saúde nos EUA a estabelecerem programas destinados a melhorar as situações de inflação constantes com estes gastos.

Foi desenvolvido e implementado, então, o Programa de Gestão de Risco Hospitalar relativo à responsabilidade civil dirigido especificamente aos médicos, enfermeiros, cirurgiões-dentistas, fisioterapeutas e demais especialistas e profissionais da saúde.

Hoje, é reconhecido que a Gestão de Risco atingiu um estado que em muito ultrapassou a compra de um programa de seguros de uma empresa. Estabeleceu-se como Programa de Segurança impondo-se estrategicamente nas corporações, recheada pela construção da normatização preventiva, corretiva e contingente, partindo da política institucional, com os riscos mapeados e monitorados à cultura voltada para a contínua redução dos danos e prejuízos.

 

 

Qual é o panorama da Gestão de Risco no Brasil?

Tenho percorrido alguns estados brasileiros, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Sergipe, divulgando como desenvolver e implementar a gestão de riscos no âmbito da saúde. E por outro lado, em São Paulo, recebemos congressistas em eventos e particularmente e-mails de colegas sedentos em agregar conhecimento e fazer benchmarking neste tema.

É percebido um enorme interesse tanto das organizações quanto dos profissionais em entender a diferença do programa de qualidade e programa de segurança e quais os pontos convergentes dos dois trabalhos.

A gestão de risco tem avançado no Brasil e muitas ações têm sido realizadas pelos profissionais da saúde, ainda que pesem as dificuldades estruturais, financeiras e de recursos humanos de alguns serviços especificamente hospitalares.

É importante destacar as iniciativas da área de Enfermagem, Farmácia e Anestesiologia com publicações científicas relevantes na prevenção de danos ao paciente, promoção dos cuidados sem prejuízos e minimização dos eventos adversos com medicamentos.

Ainda há muito que fazer, mas é preciso começar... e nunca mais parar, fazer a gestão e o gerenciamento dos riscos sempre.

 

 

Qual é o objetivo a ser atingido com a sua implantação?

O objetivo essencial é a medida preventiva, a percepção por parte das pessoas do que “está estranho, inadequado ou errado” para que providências imediatas sejam tomadas no sentido de minimizar agravos e incidentes, que muitas vezes são imensuráveis.

 

 

É possível implantar um Sistema de Gestão da Qualidade apenas utilizando um Sistema de Gestão de Risco?

É importante esclarecer que a gestão da qualidade tem foco para a melhoria contínua, a correção das não conformidades e efetiva execução dos procedimentos e protocolos estabelecidos. A gestão de risco tem foco na prevenção de danos, minimização dos eventos adversos e eliminação das quase falhas também denominada fatores potenciais de risco ou quase erros.

Estes fatores devem ser percebidos, identificados e tratados, antes de provocar a ocorrência ou eliminar qualquer “probabilidade” de se efetuar, por conseguinte acabar com a “chance de acontecer”.

Isto quer dizer que, a meu ver, os trabalhos são distintos e não devem atropelar um ao outro. Entretanto, se a organização estiver madura na cultura de qualidade ou, se este sistema for filosofia de trabalho claramente instituído e eficaz, nada impede que haja apenas um sistema de gestão de risco. Isto porque a raiz da qualidade já será percebida e visualizada, arraigada na atitude, comportamento, habilidade e conhecimento de todos os trabalhadores.

 

 

Em que contribui um bom Gerenciamento de Risco para o sistema de Qualidade?

Exemplificando o texto anterior, podemos citar algumas atividades de gerenciamento de risco que contribuem para melhorar a qualidade no atendimento de saúde. Lembre-se que riscos, as pessoas tem o tempo todo. O que é preciso fazer é evitar os efeitos negativos dos riscos.

Por exemplo, há riscos desde a internação do paciente no hospital quanto ao cadastro de identificação referente a homônimos, risco de queda dos visitantes e pacientes que é acentuada em dias de chuva, risco durante a logística referente a materiais e medicações quanto ao vencimento, condições de temperatura, peso; entre outros.

Portanto o gerenciamento de risco é um processo muito amplo que traz à baila a cautela e a atenção.

 

Outro exemplo - um caso hipotético:

Padrão de Qualidade - o protocolo de risco de queda de paciente direciona para que as grades da cama ou maca permaneçam elevadas, que um familiar permaneça com o paciente durante a internação (quando possível) e ainda orienta o paciente que, ao sair do leito é imprescindível chamar a enfermagem. Todos os envolvidos cientes e anotações médica e de enfermagem completas no prontuário.

 

Padrão de Segurança – a avaliação do paciente para o risco de queda direciona algumas ações quanto à identificação do prontuário sobre o risco de queda do paciente para alerta dos profissionais durante o atendimento, pulseira colorida identificada para o risco de queda colocada no punho ou tornozelo do paciente, alerta na porta do quarto, orientação dos outros pacientes da enfermaria (quando possível), colocação de coxins nas frestas das grades.

 

Fato: Acontece que à noite o paciente adormeceu e como a grade da cama não é continua, ou seja, tem frestas e foram colocados coxins não fixos, o paciente idoso e caquético escorregou pelo espaço entre as grades deslocando o coxim e caiu no chão, fraturando o fêmur com lesões pelo corpo.

 

-Ações da qualidade:

Rever o protocolo de risco de queda, melhorar a confecção, tamanho e fixação dos coxins, averiguar a possibilidade estrutural e financeira da aquisição de camas com grade contínua, elaborar um processo ou sistema de vigília de enfermagem para determinados pacientes potenciais ao risco de queda.

 

-Ações da segurança:

Preencher a ficha de notificação para evento adverso avaliada com dano grave ao paciente. Relatar as consequências imediatas e posteriores como aumento no tempo de internação, desprogramação do plano de alta, ônus financeiro ao hospital, prejuízo familiar pela intercorrência, envolvimento da equipe cirúrgica no caso clínico, entre outros. Acompanhar o desdobramento do caso, envolver o paciente e ou familiar nas ações consequentes, inclusive informar o plano do hospital para evitar a recorrência do fato, arcar com todas as despesas advindas do fato, além das ações advindas dos órgãos legais.

 

“riscos as pessoas têm o tempo todo. O que é preciso fazer é evitar os efeitos negativos dos riscos”.

 

 

Quais são as premissas das certificadoras da Qualidade em relação ao Gerenciamento de Risco?

Nos manuais das empresas certificadoras de qualidade a questão da segurança e do gerenciamento de riscos são premissas básicas e norteadoras dos processos assistenciais.

Sem qualidade não há segurança e sem segurança não há qualidade.

E apesar de o termo Gestão de Riscos em Saúde ser bem amplo, as instituições, de maneira geral, conhecem os riscos a que estão expostas e trabalham para eliminar eventos e/ou minimizar os danos.

 

 

E na sua prática quais as ferramentas mais usadas?

 Não existe uma ferramenta única para a gestão de riscos.  Algumas planilhas, instrumentos e ferramentas de prevenção, avaliação e monitoramento são mais comumente utilizados no âmbito da melhoria da qualidade e no âmbito da prevenção de danos.

As ferramentas e instrumentos mais usados são o mapeamento de riscos por processo, matriz de efeitos (frequência x gravidade), PDCA; 5W2H; RPN-risk priority number, FMEA-análise do modo e efeito da falha, RCA-analise de causa raiz, a matriz GUT entre outros.

Uma diferença fundamental é que a melhoria da qualidade é trabalhada dentro da organização e a gestão de riscos ultrapassa a barreira física hospitalar com impacto externo à organização. Como exemplo, as notícias levadas à Imprensa pela demora no atendimento de emergência e que causou a morte do paciente. Evento adverso catastrófico que pode gerar processo por dano moral e criminal à organização de saúde. Para isso, os recursos jurídicos, de assessoria e marketing devem ser incorporados ao programa de gestão dos riscos.

 

 

Qual a importância do envolvimento do paciente nas ações de Gerenciamento de Risco? Como ele pode contribuir para a sua segurança?

A participação do paciente ajuda os profissionais durante o atendimento prestado reforçando a necessidade dos procedimentos, alertando sobre a eficácia do cuidado e integra conhecimentos e saberes para a melhor prática ou prática mais assertiva.

Corroboro que algumas questões devem ser combinadas ou pactuadas para elaboração da política estratégica de segurança com envolvimento do paciente.

-O paciente deve ser envolvido ou responsabilizado por sua segurança? O paciente tem habilidade para verificar todos os processos a que está exposto? O paciente tem condições para perceber as diferentes situações a que é submetido? O paciente tem conhecimento das evidências que precisam ser buscadas para garantir a segurança da sua assistência?

A literatura traz alguns pontos de vista a respeito deste papel e a adoção de quaisquer diretrizes deve vir com o amadurecimento das instituições, a aceitação das pessoas envolvidas e serem permeadas pelos princípios éticos e legais, esclarece Bohomol no livro de Gestão de Risco e Segurança Hospitalar, da editora Martinari, de 2009.

 

 

Quais indicadores validam o Gerenciamento de Risco em uma unidade de saúde?

Alguns indicadores são mais comumente utilizados dependendo do tipo, perfil e complexidade da organização de saúde. Podemos citar os indicadores que mensuram as metas internacionais de segurança da Joint Commission, os dez passos de segurança para enfermagem da REBRAENSP (Rede Brasileira de Enfermagem e Segurança do Paciente), os itens de orientação do Manual de Acreditação da ONA (Organização Nacional de Acreditação), as iniciativas da OMS (Organização Mundial da Saúde), a vigilância da ANVISA para hemocomponentes e derivados, fármacos e tecnologias, indicadores quanto à lavagem das mãos, infecções hospitalares, cirurgias em local e membro certos, identificação correta do paciente, úlceras por pressão, evasão, queda, resultados de exames e outros.

 

 

Existe estatística quanto aos riscos e eventos adversos?

Podemos citar as iniciativas e estatística na área pediátrica e unidade de terapia intensiva (UTI). Um estudo realizado nos EUA mostrou que, entre 1988-1997, a incidência de erros médicos em pacientes pediátricos aumentou de 1,81% para 2,96%. Uma pesquisa sobre quedas naquele país analisou 200 pacientes e que 82% destas crianças estavam com os pais no momento da queda. No Brasil, uma pesquisa realizada na UTI pediátrica de um hospital escola em São Paulo apresentou o percentual de ocorrências adversas por criança como resultado da prática de cuidados de Enfermagem. Esta pesquisa identificou 32,7% eventos relacionados à medicação como o mais frequente, seguido de 29,2% pela ventilação mecânica/vias aéreas, 16,8% procedimentos de enfermagem, 14,3% relacionados a cateteres, sondas e drenos, 4,4% eventos adversos com equipamentos/materiais e outros em 2,6%.

Outro estudo sobre eventos adversos relacionados ao uso de cateteres intravenosos periféricos em crianças evidenciou que os curativos influenciam os motivos de retirada do cateter e o evento adverso por infiltração destacou-se em 55,3% dos casos.

Para elucidar, as falhas e/ou erros mais evidenciados nos casos relatados (intra-hospitalar) e nas estatísticas disponibilizadas na literatura são:

- problemas relacionados ao processo de medicação (dispensação, prescrição médica, preparação e administração);

- queda de visitante (piso escorregadio, rampa íngreme, atropelamento, escada inadequada);

- queda de paciente (leito - cama sem grade ou com grade parcial, mesa cirúrgica estreita, transferência com maca imprópria para uso, rodas travadas, ferrugem e falta de manutenção em cadeira de rodas);

- problemas advindos de procedimentos operatórios (esquecimento de instrumental, gaze ou compressa na cavidade, cirurgia em paciente- local ou parte errada), entre outros.

Corroborando com essas situações, a questão comportamental relacionada à negligência, imperícia e imprudência do profissional e/ou a descrença dos dirigentes que algo pode dar errado.

 

 

Qual é o papel do enfermeiro na Gestão de Risco?

É o elemento chave deste processo por conhecer muito bem as rotinas e o dia a dia organizacional, bem como as necessidades em geral dos clientes e dos serviços.

É um dos profissionais que faz a mediação de conflitos, acompanha os casos, relata, averigua e analisa os incidentes, compara e mensura as situações, fatos e consequências. É o responsável técnico frente ao conselho de classe e quem responderá por sua equipe caso enfrente um evento sentinela na organização. Tem competência para buscar formas, indicar meios e aplicar as sugestões de como eliminar riscos, minimizar danos, evitar processos judiciais e, desta feita, promover a segurança.

Ainda que seja outro profissional o gestor de risco, sua função é de primeira linha, com dependência direta do Conselho Administrativo, Superintendência, Presidência, Provedoria, ou seja, o grupo Comitê de Risco tem o poder da tomada de decisão amparado pela direção institucional, do qual pelo menos um integrante faz parte.

 

“O enfermeiro é o elemento chave deste processo por conhecer muito bem as rotinas e o dia a dia organizacional, bem como as necessidades em geral dos clientes e dos serviços”.

 

 

 

Quem compõe um Comitê ou Comissão de Gestão de Risco? É obrigatória nas instituições hospitalares?

A finalidade da formação de um grupo, comissão ou comitê é condensar profissionais de várias áreas e especialistas em disciplinas específicas, como enfermeiro de terapia intensiva, de centro cirúrgico, de pronto socorro e outros, com o intuito de ampliar a visão e o entendimento dos fatos, riscos e eventos adversos.

Inter e multidisciplinaridade referem-se ao encontro de pesquisadores de várias áreas de conhecimento, trazendo cada qual suas descobertas para abordar um assunto, dentro dos seus respectivos pontos de vista. É a justaposição de informações de diferentes áreas na esperança de que o coletivo amplie a compreensão do fenômeno, no caso, a ocorrência do evento adverso. A comissão e/ou o comitê de GR não é obrigação legal, ainda.

 

 

Quais as diretrizes para a classificação dos riscos e o que pode ser considerado aceitável?

Para a classificação dos riscos pode ser seguido o manual da ONA, as diretrizes da ISO 31:000/2009 ou o propósito de outras certificadoras e manuais reconhecidos. A aceitabilidade dos riscos ou a determinação do nível de risco aceitável dependerá da política estabelecida na organização.

Como sugestão, os riscos podem ser classificados em:

- Assistenciais: São situações, ações, condutas e procedimentos ocorridos durante a dinâmica dos cuidados na internação ou período de permanência do cliente no hospital, que causou prejuízos. Exemplo: cadastro do paciente preenchido de forma incompleta ou incorretamente. Resultado de exame trocado. A guia do convenio não autorizou a cirurgia e o individuo está pronto em jejum e internado. Dieta fornecida errada ou trocada ao cliente.

- Profissionais: São ações e procedimentos realizados diretamente no paciente, pelo responsável da conduta e/ou aplicação do tratamento e que acarretou danos. Exemplo: cirurgia em paciente e/ou local errado. Injeção administrada em dose/ local/ horário incorretos. Instrumental, gaze ou compressa alojada em cavidade interna do paciente.

- Ocupacionais: São situações ergonômicas geradas da prática inadequada no trabalho e não uso de equipamentos de proteção (EPIs) causando acidentes e consequências. Exemplo: tendinite, lombalgia, acidente de trabalho.

Ambientais: São situações e procedimentos inadequados e incorretos gerados por agentes físicos, químicos, mecânicos e biológicos com impacto negativo na comunidade ao redor e no meio ambiente. Exemplo: explosão de equipamento com incêndio. Derramamento de produto químico radioativo. Vazamento de gás.

- Resíduos: Os resíduos hospitalares acondicionados sem separação (não segregados), depositados em local aberto e impróprio, com prejuízo das pessoas e do meio ambiente. Exemplo: perfuro-cortante depositado em saco plástico. Placenta colocada em local de resíduo comum. Amputação de membro sem identificação depositado a céu aberto.

- Clínicos: Possibilidade de ocorrência de danos durante o processo terapêutico e/ou agravos de saúde em decorrência da fisiopatologia e ainda, do não seguimento dos critérios de segurança no planejamento terapêutico. Exemplo: pneumonia associada à ventilação mecânica. Infecção da úvula devido à intubação orotraqueal após procedimento cirúrgico.

- Institucional: Deriva de situações decorrentes da comunicação ineficaz ou inadequada. Conflitos por desinteligência ou desentendimentos que prejudicam a imagem do hospital, por negligência, imprudência e imperícia. Exemplo: agressão ou brigas entre colaboradores, entre visitantes/ familiares. Fuga e/ou rapto de criança, paciente psiquiátrico, presidiário ou outros. Atropelamento no estacionamento que está dentro da organização.

 

 

Atualmente, quais são os principais desafios deste gerenciamento?

Considero um desafio importante, atualmente, a conscientização dos profissionais médicos, administradores, diretores organizacionais de que nem tudo é perfeito e/ou que dará certo e que eventos adversos podem ocorrer e, neste caso, qual a melhor maneira de nos preparar para enfrentá-los. Entender que qualidade e segurança é um elo permanente, caso desejem manter o padrão de excelência com vigilância de riscos e competitividade financeira para a sustentabilidade organizacional. Realizar benchmarking para cruzar os indicadores e metas de segurança comparando os resultados nacionalmente.

 

 

A senhora poderia nos contar exemplo de boas práticas de Gestão de Risco de Enfermagem?

Sim, existem varias e boas iniciativas tanto em hospitais privados quanto públicos.

Vou informar algumas organizações que permitiram ser citados nos livros e artigos publicados neste campo de atuação, como exemplo o Hospital Alemão Oswaldo Cruz Hospital Samaritano e Hospital Geral de Itapecerica da Serra, em São Paulo, e o Instituto Biocor, em Minas Gerais, entre outros. Sugiro que os interessados agendem visita em cada organização para conhecer sua prática de segurança e desenvolvimento da gestão de riscos respectivamente.

 

 

Qual é o método que a senhora recomenda para notificação de riscos?

Cada organização de saúde implementa a notificação de risco de forma própria, ou seja, não há método especifico para isso. Geralmente usam ficha impressa ou preenchida por via intranet, com ou sem a declaração do notificador, e ainda alguns locais também disponibilizam espaço para os clientes/pacientes/usuários notificar. Alguns usam o método check-list para o preenchimento dos itens e parte descritiva para o relato da ocorrência, causa e consequências.

 

 

Qual é a melhor maneira para se conscientizar as equipes de saúde quanto à Gestão de Risco?

Fazer sensibilização, capacitação e treinamentos frequentes, com constância. Para elucidar, pode ser usada como estratégia a utilização de algum caso ocorrido e a partir dele organizar fóruns de debate e analise coletiva como forma de aprendizado e fortalecimento da cultura de segurança. Esta estratégia participativa de discussão de case foi realizada no painel de acertos e desacertos em GR no Congresso de Gerenciamento de Riscos da Adh’ 2011.

 

 

O que o enfermeiro vai encontrar ao ler a obra “Gestão de Risco e Segurança Hospitalar”, organizada pela senhora?

É um livro que as pessoas têm dito-me “é meu livro de cabeceira para a gestão do risco no meu hospital”, “eu li rapidinho”, “é fácil de entender”, “tem casos práticos, conceitos e esclarece o quê e como fazer a implantação do Programa de Gestão de Riscos nos aspectos de planejamento e operacionalização”. Acredito haver criticas e falhas, é obvio, como exemplo não ter havido um capitulo na área de nutrição, importantíssima no contexto hospitalar, e nem sobre lavanderia; mas como literatura pioneira no país, no caso por dimensionar a segurança no âmbito do paciente, do profissional, do meio ambiente e da organização, serve de direcionador ou guia de partida.

 

Liliane Bauer Feldman é enfermeira especialista em Administração Hospitalar, doutora em Administração Serviços de Saúde e Gerenciamento de Enfermagem e organizadora do livro “Gestão de Risco e Segurança Hospitalar”.

 

Feldman L. Portal da Enfermagem – Gerenciamento de Risco [internet] 2011 [citado 2011 Junho 28]. Disponível em http://www.portaldaenfermagem.com.br .