São Paulo, 24 de abril de 2024
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Entrevistas

Gestão do Departamento de Emergência

Nilza Santana
Enfermeira, especialista em Administração Hospitalar, Gerente Administrativa do Pronto-Socorro do HC
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09/03/2011

Somente a partir da década de 80, o Brasil deu maior importância para a capacitação dos profissionais de enfermagem que atuam em unidades de Emergência. Hoje, sabe-se que liderança é uma das estratégias para a melhoria do gerenciamento da assistência prestada ao paciente, além de conhecimentos científico, prático e técnico para que a equipe de enfermagem possa tomar decisões rápidas e concretas em uma unidade em que o tempo entre a vida e a morte pode estar delimitado por segundos.

 

Com mais de duas décadas de experiência junto ao serviço de Emergência, sendo a sua primeira atuação frente ao Pronto-Socorro da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, a enfermeira Nilza Santana, especialista em Administração Hospitalar, hoje Gerente Administrativa do Pronto-Socorro do HCor Hospital do Coração, em São Paulo, conhece a dinâmica deste setor e as reais necessidades e competências dos enfermeiros que lá atuam. E é com ela que o Portal da Enfermagem conversa sobre a Gestão do Departamento de Emergência.

 

Como podemos definir pronto atendimento, urgência e emergência?

Hoje, na prática, usamos pronto-socorro para o serviço de portas abertas. Segundo o Ministério da Saúde, pronto atendimento é a "unidade destinada a prestar, dentro do horário de funcionamento do estabelecimento de saúde, assistência a doentes com ou sem risco de vida, cujos agravos à saúde necessitam de atendimento imediato". Já a definição para pronto-socorro é o "estabelecimento de saúde destinado a prestar assistência a doentes, com ou sem risco de vida, cujos agravos à saúde necessitam de atendimento imediato. Funciona durante as 24 horas do dia e dispõe apenas de leitos de observação". O Ministério define emergência como a "unidade destinada à assistência de doentes, com ou sem risco de vida, cujos agravos à saúde necessitam de atendimento imediato".

No HCor a priorização do atendimento é realizada com base no protocolo de Manchester, que classifica os atendimentos em três níveis: urgência relativa, que é aquela em que o paciente precisa de atendimento, porém este atendimento não será imediato, podendo aguardar até três horas; a urgência que exige um atendimento rápido ao paciente, porém sem risco de morte, como por exemplo, uma cólica renal ou uma fratura de braço, e a emergência que requer atendimento imediato, pois o paciente apresenta risco iminente de morte, como exemplo parada cardiorrespiratória ou dor torácica típica de infarto.

 

 

Como é o fluxo que a senhora implementou no atendimento de Emergência do HCor?

Seguimos o protocolo de Manchester, mas o adaptamos as nossas necessidades enquanto hospital cardíaco.  Em uma ordem prática, o paciente chega, preenche a ficha de atendimento e é encaminhado para a enfermagem realizar a triagem e classificar o atendimento de acordo com o protocolo de Manchester como urgência relativa, urgência ou emergência, classificação esta que ocorre por meio das cores verde, amarelo e vermelho, respectivamente, conforme descritos na primeira questão. Claro que podem acontecer casos de classificarmos como emergência e depois ele pode ser reclassificado para a urgência.

 

 

Quais são as atribuições da Enfermagem que atua em um Departamento de Emergência?

Podemos incluir o planejar, acompanhar e executar assistência de enfermagem; prestar assistência direta aos pacientes de maior complexidade e gravidade; realizar a sistematização da assistência de enfermagem (SAE); conferir e zelar pelo perfeito funcionamento dos equipamentos do setor; ter controle rigoroso dos psicotrópicos; realizar o atendimento de emergência na unidade avançada móvel e determinar os membros que farão parte desta equipe; conferir o carro e a sala de emergência, controlar e acompanhar o fluxo de pacientes no pronto-socorro e acompanhar o tempo de espera na recepção.

 

 

“Realizar o atendimento de emergência na unidade avançada móvel e determinar os membros que farão parte desta equipe”

 

 

Quais cursos a senhora aconselha aos enfermeiros que queiram trabalhar com Emergência?

Cursos não são obrigatórios, mas são muito importantes e, no nosso caso, solicitamos ao RH que seja incluída a palavra ‘desejável’ com relação ao curso ACLS (Advanced Cardiac Life Support), por ser hospital cardiológico. Se fosse um hospital geral também seria bom o profissional ter o curso de trauma para enfermeiros. O BLS (Basic Life Support) também é importante, porque é o atendimento básico. Mas eu diria que para pronto-socorro é importante o enfermeiro ter especialização em urgência e emergência e se for trabalhar com pediatria ter também o curso PALS (Pediatric Advanced Life Support). O Centro de Ensino Treinamento e Simulação do HCor (CETES) disponibiliza cursos de treinamento para o público interno e externo.

 

 

E para o nível Médio o que é possível fazer em termos de aperfeiçoamento?    

O BLS pode ser feito pelo técnico também, pois é um curso básico, mas existem outros cursos e congressos que podem ter a participação de técnicos e auxiliares de enfermagem, como é o caso do congresso do COBEEM.

Tem cursos de eletrocardiograma que é aberto para o técnico de enfermagem. É importante que se adquira habilidade de realizar o registro do eletrocardiograma e identificar neste registro a presença de arritmias ou alterações mais graves. Existem outros cursos que não são específicos de urgência e emergência, mas que estão ligados a este serviço. Treinamento de emergência não deve ser aplicado somente para a equipe de enfermagem do pronto-socorro, mas sim para a equipe de enfermagem de um modo geral. Em um ambiente hospitalar espera-se que em caso de emergência, os profissionais saibam quais as condutas iniciais devam ser tomadas. 

 

 

Como é realizado o dimensionamento do seu quadro de pessoal?

No HCor o dimensionamento de pessoal para o pronto-socorro ocorre considerando o volume de atendimento versus a complexidade dos pacientes. Hoje, nosso pronto-socorro conta com 47 profissionais da enfermagem, sendo 14 enfermeiros, um trainee e 32 técnicos de enfermagem. Sabidamente, precisamos ter um maior contingente de pessoal no período das 9 às 23 horas, pois este é o horário de maior volume de atendimento.

 

 

Gestores afirmam que o Pronto Socorro não traz lucratividade direta para o hospital, mas é porta de entrada para o mesmo. O que a senhora tem a dizer sobre isso?

O PS é uma unidade onde é necessária mão de obra especializada e qualificada: enfermeiros, médicos, equipamento de ponta e medicamentos.  O pronto socorro é a porta de entrada para muitos clientes do hospital e é muitas vezes por meio dele, que o paciente conhecerá a instituição.

 

 

Como porta aberta, não dá para prever os tipos de situações que um departamento de emergência irá encontrar ao longo do dia, por isso ainda preconiza-se que funcionários da Emergência não sejam remanejados?

Remanejamento de pessoal é sempre um problema e uma solução dentro de uma instituição de saúde. Não há uma resposta precisa para esta questão. O que a gente preconiza é: evitar retirar funcionário do pronto-socorro, porque no mesmo momento que está tranqüilo, no minuto seguinte pode estar lotado.

O correto é a avaliação do profissional que está no plantão. Então, eu posso remanejar o meu funcionário? Sim, eu posso. Devo remanejá-lo para atividades de apoio à unidade de destino, ou seja, eu posso remanejá-lo para atender a campainha, para colocar comadre, para fazer sinais vitais, e auxiliar em banhos. Sendo assim, caso seja necessário o retorno dele ao ponto-socorro, poderá ser feito sem prejuízos para a assistência.

 

 

Como é feito o controle e manutenção da sala de Emergência para que ela esteja sempre em ordem?

No HCor nós temos dentro do PS uma UTI, ou seja, a nossa sala de Emergência é uma UTI com quatro leitos. O paciente de emergência será atendido em um desses quatro leitos. Nossos equipamentos e os materiais são conferidos diariamente e a cada plantão. Temos como regra que uma sala de emergência bem montada deve ter os equipamentos e os materiais sempre nos mesmos lugares e sempre nas mesmas quantidades. Isso porque em uma urgência eu não posso pensar onde está o material ou sair para procurar, eu preciso esticar a mãe e pegar.

Eu sempre brinco falando que uma sala de emergência boa é aquela em que eu fecho os olhos e consigo localizar tudo. Tudo isso para agilizar um serviço cujo minuto de atendimento faz a diferença. Isso não quer dizer que a enfermagem não irá checar a sala de emergência, muito pelo contrário. Manter os equipamentos nos mesmos lugares e os materiais nas mesmas quantidades facilita o serviço, permite agilidade ao atendimento, evita o estresse e promove maior segurança para o paciente e para a equipe, evitando erros.

Outra coisa importante é saber qual o público que irá utilizar a sala de emergência e montá-la de acordo. É preciso fazer a pergunta: qual é o tipo de cliente que vou receber? Quais os dados demográficos de onde está localizado o hospital? Assim é possível equipá-la como uma sala de emergência clínica ou de trauma, por exemplo.

 

 

“O correto é avaliar o plantão, avaliar a unidade que precisa do remanejamento, saber remanejar, porque o hospital é um todo e o paciente é um só e precisa de uma boa assistência”

 

 

Como ocorre a passagem de plantão da Emergência para os demais setores?

Este processo é bem tranqüilo

Após a liberação do processo de internação a equipe de enfermagem será responsável por realizar os devidos registros em prontuário, checar as medicações que foram administradas e o enfermeiro do PS passará o caso para o enfermeiro da unidade de destino.

 

 

Com referência à área de ortopedia, o Portal gostaria de saber a sua opinião sobre o profissional de enfermagem trabalhar com tala gessada.

Hoje, a Resolução Cofen 279/2003 proíbe esta função. A especialidade de técnico de gesso não está regulamentada para a enfermagem. No HCor a responsabilidade de imobilização é do médico ortopedista, a equipe de enfermagem poderá auxiliá-lo no momento da imobilização e deverá reorganizar a sala após o procedimento realizado pelo médico.

Para que imobilizações possam ser realizadas pela equipe de enfermagem, é necessária a regulamentação pelos órgãos devidos, treinamento e qualificação da equipe. 

 

O HCor tem a certificação da Joint Commission. Para esta conquista o departamento de Emergência sofreu adequações ou mesmo modificações?

Sim, tivemos que fazer adaptações como facilitar o acesso do paciente portador de deficiência auditiva, visual e motora. Com relação ao idioma também, pois a Joint Commission Internacional (JCI) prioriza a comunicação com o paciente.

Outro item é a segurança. Hoje, temos uma preocupação ainda maior com quem entra no OS. Todos os pacientes são identificados com pulseira contendo o nome e a data de nascimento, esta dupla checagem é realizada por todos os membros da equipe antes de qualquer procedimento com a paciente. A confidencialidade de dados também é outra questão fundamental para a Certificação. Tivemos que criar nichos para colocar os prontuários e não deixá-los a vista dos pacientes e acompanhantes e também não deixar aparente os exames, como os de raios X, por exemplo. Coisas que estavam dentro de um serviço de emergência e que pela correria do setor acabavam não sendo percebidas. 

 

Quais são os principais indicadores que a senhora gerencia hoje?

Os hospitais passam por um processo de aperfeiçoamento no sentido de administração propriamente dita. Por mais que a gente tenha o conceito de que hospital é para promover a saúde – e é mesmo - ele também necessita de recursos financeiros. Portanto precisa ser administrado de forma correta, caso contrário não é possível prestar uma assistência adequada. Hoje temos indicadores, como, por exemplo: Tempo espera para Triagem, Tempo de espera para realização de ECG, Tempo de espera para atendimento médico. O indicador, seja ele de qualidade assistencial ou de resultado financeiro, é uma importante ferramenta para acompanhar esta gestão.

 

 

“O indicador, seja ele de qualidade assistencial ou de resultado financeiro, é uma importante ferramenta para acompanhar esta gestão”

 

 

Com relação a pacientes que chegam ao departamento com agressão física, maus tratos, como é o procedimento?

Existe uma ficha (Sistema de Informação e Verificação de Acidente) que é da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, onde se notifica possíveis casos de vítimas de maus tratos. A rotina no PS do HCor é identificar os possíveis casos, ligar para a assistente social  que irá fazer todo o processo de notificação envolvendo a área jurídica do hospital.   

 

Quando o paciente não aceita uma medicação e até mesmo a internação – alta a pedido – como é feito o processo?

O paciente tem o direito de ir e vir. Portanto, ele pode falar que não quer a medicação, que quer ir embora, mesmo no caso de uma internação necessária. Mas ao mesmo tempo isso é contraditório, porque em caso de óbito a responsabilidade poderá ser atribuída aos profissionais que o atenderam e, claro, da instituição. A melhor solução é convencer o paciente e a família da necessidade da sua permanência no hospital e de seu tratamento proposto. Se mesmo assim ele quiser ir embora, a equipe deverá registrar em prontuário com todos os detalhes o ocorrido. 

 

No caso de um paciente dar entrada na Emergência e a equipe ficar ciente de que ele não poderá ser atendido, seja por falta de infra-estrutura ao caso ou qualquer outra negativa, como ocorre a transferência do paciente?

O hospital precisa dar o primeiro atendimento e, a partir daí seguir as etapas necessárias para uma possível transferência com a anuência dos familiares.

Quando se trata de operadora que não tem contrato com o HCor, esta transferência poderá ser solicitada por meio da própria operadora que fará a busca de vagas de acordo com as necessidades para o cuidado do paciente.

Para os casos dos pacientes que não possuem nenhum convênio, esta transferência será realizada pela central reguladora do Estado, por solicitação via fax.

Em ambos os casos o atendimento será realizado com o objetivo de estabilizar o paciente grave. Todos os procedimentos necessários serão executados até que se consiga a transferência.

 

 

A senhora também atua em APH e tem a visão de atendimento dos dois lados. Como é a relação da equipe do SAMU com a equipe interna do hospital?

Eu faço o intra-hospitalar em um hospital privado e faço o suporte avançado junto ao Corpo de Bombeiros, no GRAU.

Minha função junto ao APH é atender o paciente fora do hospital e quando necessário encaminhá-lo para um atendimento hospitalar. Eu tiro o chapéu para os colegas da enfermagem de hospitais públicos, principalmente de hospital geral, que mesmo diante de um pronto-socorro lotado, eles trabalham muito, e bem, a qualquer horário. Quando eu levo um paciente com trauma para um hospital público de referência, eu tenho certeza de que ele será atendido e avaliado dentro do que manda o protocolo.

 

 

Nilza Santana é enfermeira, especialista em Administração Hospitalar, Gerente Administrativa do Pronto-Socorro do HCor, de São Paulo.