São Paulo, 19 de abril de 2024
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Médicos identificam superbactéria inédita em paciente brasileiro

Uma superbactéria inédita no mundo foi identificada no sangue de um paciente que ficou internado no Hospital das Clínicas de São Paulo no ano passado e colocou a comunidade científica internacional em alerta. O microrganismo estava alojado em um homem de 35 anos que tinha micose fungoide (um tipo de câncer de pele). Ele também era diabético e dependente químico.

 

Segundo a médica Flávia Rossi, diretora do laboratório de microbiologia do HC e uma das autoras do artigo, o homem começou a apresentar muitas infecções na pele e depois no sangue. Apesar do tratamento com diversos antibióticos, a febre persistia.

 

A superbactéria é de uma classe já conhecida, mas tem características que a tornam única: a capacidade de infectar pessoas saudáveis, fora do hospital, e um alto nível de resistência aos antibióticos mais usados para tratar infecções severas.

 

O artigo com a descrição do caso foi publicado na semana passada na revista "The New England Journal of Medicine". O trabalho reuniu pesquisadores brasileiros, americanos e europeus. "É diferente de tudo que já vimos. Essa mutação pode causar infecções na comunidade e não mais só nos hospitais", alerta o médico Cesar Arias, líder da equipe de pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em Houston (EUA).

 

A cepa original da superbactéria pertence a uma classe conhecida como SARM (Staphylococcus aureus resistente à meticilina) e é uma das causas mais comuns de infecções de pele e mucosas em pessoas de todas as idades, inclusive as saudáveis.

 

Mais virulento e resistente, o novo microrganismo representa um problema de saúde pública, na avaliação de Cesar Arias. "Ele não responde à vancomicina, um dos antibióticos mais comuns e baratos nesse tipo de tratamento, e à meticilina, do grupo das penicilinas."

 

A superbactéria foi isolada em uma das análises de rotina do laboratório. Além da resistência incomum, a equipe do HC percebeu que ela tinha um padrão diferente das que já haviam sido descritas. O material foi enviado então ao grupo de Arias, no Texas, onde foi feita uma investigação molecular detalhada.

 

"A 'alma' dela, que é a parte genética, está ligada a bactérias de linhagem comunitária. Todas as descritas anteriormente, que já eram poucas [13 no mundo], eram de linhagem hospitalar, tinham um DNA maior. Essa nova tem um DNA menor, o que facilita a transmissão mais rápida e também entre pessoas saudáveis da comunidade."

 

No caso do paciente do HC, a infecção causada pela superbactéria foi debelada com um antibiótico mais potente (bactemicina), mas, debilitado, o homem morreu três meses depois de pneumonia, em novembro do ano passado.

 

Segundo Flávia, como o microrganismo não infectou outros pacientes, não há risco imediato nem motivo para alarde. No entanto, reforça a médica, é preciso intensificar a vigilância, especialmente dentro dos hospitais. Ela diz que ainda há no país muitas instituições sem laboratórios de microbiologia, aparelho fundamental para a detecção rápida e tratamento correto da infecção. "Se eu não tenho um laboratório bem estruturado e bem equipado, não tenho como reconhecer a bactéria."

 

Flávia explica que hoje há uma deficiência de suporte diagnóstico. "Às vezes, a devolução do resultado de um exame demora cinco dias. Se for mais rápido, consigo intervir mais precocemente." Para ela, com o alerta mundial, novos estudos de vigilância microbiológica serão feitos. "Precisamos entender melhor a genética dessa bactéria e monitorá-la de perto."